Defesa de tese de doutorado de Alyne dos Santos Gonçalves
Neste estudo, abordo aspectos da obra do cientista Augusto Ruschi (1915-1986), relacionados aos conhecimentos sobre o mundo natural e às estratégias sociopolíticas para sua conservação. A partir do ingresso, em 1939, nos quadros do Museu Nacional do Rio de Janeiro e da fundação, em 1949, do Museu de Biologia Prof. Mello Leitão, no Espírito Santo, Ruschi atuou em redes político-científicas tecidas na interseção entre cálculo profissional, interesses políticos e demandas socioeconômicas, as quais viabilizaram pesquisas e intervenções públicas que contribuíram para o processo de institucionalização das ciências biológicas no Brasil, especialmente no tocante à conservação da natureza. Com base na crítica à concepção padrão de “Ciência”, feita pelos chamados “estudos sociais das ciências”, analiso boletins científicos e correspondências trocadas entre Ruschi e diferentes personalidades, a fim de compreender um fazer científico, localmente contextualizado, que buscou integrar o colecionismo da história natural com práticas experimentais de laboratório, bem como articular atores sociais tão heterogêneos quanto madeireiros e indígenas, conservacionistas e empresários, jornalistas, generais etc. Exploro duas abordagens teórico-metodológicas diferentes: a de Pierre Bourdieu, para compreender a estruturação do campo científico da biologia e do conservacionismo no Brasil, e a de Bruno Latour, para analisar controvérsias científicas envolvidas no processo de construção de conteúdos e métodos de pesquisa caros àquele campo, como a questão do reflorestamento e da valorização dos conhecimentos indígenas. Defendo que a disciplina da Conservação da Natureza, tal como pensada e exercitada por Ruschi, caracterizou-se por uma visão ampla das ciências, a qual envolvia experimentação, observação, colecionamento e classificação da flora e fauna, mas também sociologia, história e política – a prática científica sendo concebida como instrumento para garantir a proteção do mínimo necessário de natureza, em benefício das gerações presentes e futuras. Concluo que Augusto Ruschi assumiu a ciência como uma prática social ligada às demandas de seu tempo, um saber-fazer que se constitui na conexão com outros saberes, em detrimento da tendência à compartimentalização da vida.