DOUT - Nação e Estado: história e historiografia

Código: PHIS0110
Curso: Doutorado em História
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Ementa: A disciplina pretende discutir a organização dos Estados a partir do século XVIII em conexão com a idéia de nação e de identidade nacional. Muito embora a fixação de povos em culturas em unidades nacionais próprias seja um acontecimento anterior à Revolução Francesa, os conceitos de nação e nacionalidade adquirem novas significações quando aparecem associados com os movimentos de transformação de finais do século XVIII e inícios do século XIX, período no qual os diversos Estados Modernos, tanto na Europa quanto na América, passaram a se estruturar sobre novas bases. De fato, com a Revolução de 1789 a Europa dos reinos dinásticos teve de conviver com uma forma mais abrangente de classificar os indivíduos, que antes se encontravam organizados sob formas feudais, ligados à aristocracia, à Igreja e à monarquia. O conceito de cidadania assumiu características mais amplas a partir do momento em que os franceses, por exemplo, deixaram de ser considerados como indivíduos de tal lugar, ou ligados a um tal senhor para se transformarem em cidadãos abstratamente iguais, membros de uma nação indivisível representada pelo Estado. A nacionalidade adquiria assim uma importância fundamental, pois estes cidadãos abstratamente iguais compartilhavam um mesmo atributo: a nacionalidade.
Muito se tem discutido a respeito do conceito de nação e de que maneira poderíamos trabalhar o processo de sua construção. Diversos historiadores, antropólogos e cientistas sociais têm se deparado com esta questão bastante polêmica e muitas vezes ambígua. Num certo momento dos estudos históricos, podíamos encontrar os que viam este processo como algo orgânico e natural ocorrendo espontaneamente a partir de certas pré-condições definidas pelo desenvolvimento histórico de cada região. Por outro lado, mais recentemente encontramos os que defendem que o surgimento da nação é algo construído e conseqüentemente artificial. Na historiografia, podemos encontrar diversas correntes de análise sobre o processo de construção do Estado e da nação, dentre as quais podemos destacar aquelas influenciadas pelo pensamento de Rousseau, Herder, Fichte, Hegel, Marx e Weber. Atualmente, diversas tendências têm tornado o debate sobre a nacionalidade questão cada vez mais complexo. Hobsbawn (1991), por exemplo, busca diferenciar o nacionalismo do século XIX em relação ao do século XX. Para ele, o nacionalismo clássico do século passado tinha como interesse a unificação de diferentes regiões no intuito de formar um mercado econômico. Já os nacionalismos desta nossa segunda metade do século não seriam unificadores mas, ao contrário, teriam como objetivo a divisão de estados capitalistas e neste sentido seriam reacionários. Para Ernest Gellner (1993), por sua vez, devem ser rejeitadas as teorias do nacional que enfatizam unilateralmente tanto os aspectos objetivos quanto subjetivos, uma vez que estes aspectos não são contraditórios, mas sim complementares. Segundo o autor, todas as nações seriam artefatos da modernidade, aparecendo como a única forma legítima de organização política no processo de industrialização. A questão nacional seria conseqüência, portanto, da necessidade de racionalidade inerente às sociedades industriais. Gil Delannoi (1991), por outro lado, considera que o sucesso e a persistência da forma nacional são devidas às suas ambivalências, posto que o conceito de nação é profundamente polarizador. Seu conteúdo, dadas a sua contradição e fluidez, permite que seja utilizado de várias maneiras, podendo gerar as ambigüidades, equívocos e contradições que perduram até os dias de hoje, principalmente em seus aspectos menos gloriosos e até mesmo reprováveis.
No seu desenvolvimento, a disciplina deverá analisar as quatro escolas clássicas de interpretação das relações Estado/Nação: a) a escola rousseauniana; b) a escola culturalista ou historicista, cuja vertente teórica está intrinsecamente ligada a Herder; c) a teoria do Estado/Nação relacionada às teorias de Fichte e Hegel; d) a escola marxista. Deverá também atentar para o fato de que tanto a nacionalidade quanto o Estado se constroem a partir das relações sociais que se estabelecem entre os homens, relações marcadas pela divisão de classes. Nesse sentido, as diversas características que definem os Estados e as nacionalidades não são mais do que configurações momentâneas estabelecidas pelas lutas e pelos pactos entre os diversos segmentos sociais. Estas configurações, entretanto, não são totalmente impostas ou manipuladas, estando a serviço única e exclusivamente da dominação. Trata-se, na realidade, de um movimento de dupla natureza, no decorrer do qual encontramos igualmente laços de persuasão e de fraternidade, o que nos remete à produção de uma determinada identidade nacional. De fato, uma questão que se coloca no processo de formação das nacionalidades e que tem repercussões na história até os dias atuais é que o processo de formação das nacionalidades tende a homogeneizar e unificar a sociedade em torno de projetos e aspirações extremamente abrangentes, os quais pretendem integrar todos os indivíduos no interior de uma determinada nação. Por fim, a disciplina deverá tratar da construção do espaço público e das novas formas de sociabilidade que emergem a partir de finais do século XVIII em conexão com o exercício da cidadania.
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